Izabel Eri Diehl de Camargo, Caminhos da Vida

"São os passos que fazem o caminho". Mario Quintana

Textos

Magia do lago
O sol estava escaldante, verão do mês de janeiro. O lago azul chamava os transeuntes. Na ponta da terra estreita, o chalé de madeira envernizada beijava um terço do lago. No jardim do café, os guarda-sóis de palha colorida estavam úmidos, pela aragem da água. O vento balançava as flores e virava os vasos sobre as mesas. Eram dez horas e faltava espaço no tablado para acomodar tanta gente. Aquela brisa refrescante salvara muitos jovens da insolação. Ao virar o sol, os retratos desenhavam-se na água, com um cheiro de obra-prima.
Ao meio-dia, chegou Dorinha com o filho de doze anos, escolheu uma mesa e solicitou um refrigerante gelado. Estavam morrendo de sede e Arthur passava mal. Recuperados, foram à administração daquele ponto turístico conhecido nos programas de viagens. Ela fez uma proposta ao senhor Dante e alugou o único barco ali existente.
No dia seguinte, chegou ao local com dois funcionários e deu início ao trabalho. Começou a limpeza e a decoração do barco. Em dois dias começaram a chegar móveis e máquinas. Dante, o administrador, chamou Dorinha para saber o que ela estava pretendendo fazer. Ouviu surpreso a notícia da instalação de uma sorveteria. Incomodou-se, discutiu, tentou impedir a abertura do negócio. Duvidou da capacidade da inquilina, dizendo que aquele trabalho não era próprio para mulher. Jogou conversa fora até cansar.Voltou para seu escritório. Viu o preto no branco, a documentação estava perfeita. Deu-se conta de que não havia percebido os detalhes expressos no contrato de locação.  
Depois de vinte dias da discussão com Dorinha, Dante recebeu uma correspondência registrada com AR (aviso de recebimento). Ele abriu o envelope às pressas, resmungando,com cara de mal humorado. Era um convite para a inauguração da sorveteria. Contrariado. Pensou. Que droga! Não vou mesmo. Dormiu tarde. Sonhou que estava nadando. Sentiu o frio da água do lago. Falou baixinho: “bobagem, nunca nadei nessa fundura”.
Dez dias depois, domingo às quinze horas, ele olhava para o barco com olhos de chuva, ao ver tanta gente chegando para a festa. Vestiu-se com um traje esportivo, colocou seu “sombrero” e seguiu para a inauguração. Dorinha o conduziu para uma das mesas onde estavam dois convidados. Ele olhava para todos os lados encantado com os tapetes vermelhos. Seu rosto mostrava uma pontinha de inveja. Ficara de olho no ambiente, na decoração do barco e no desembaraço de Dorinha. Começou a ler o “menu” com a variedade de sorvetes a serem oferecidos.
  Arthur bateu palmas, solicitou atenção. Todo mundo parou. Silêncio total. Era o discurso da anfitriã. Palmas calorosas. Salve! Viva! Fora inaugurada a sorveteria, seguida de música refinada, com harpas, violinos e degustação dos saborosos sorvetes. Dante contagiado, cantava baixinho, acompanhando o cantor de guarânias. A estrela do sucesso brilhou e ninguém sofreu com o calor. Até durante o passeio de barco os convidados tomavam sorvete. Todos se diziam encantados com a paisagem e com a sensação indescritível da brisa batendo nos rostos.  Ao entardecer, admiravam o retrato do sol no espelho do lago.
À noite, chegaram novos convidados que, recepcionados por Dorinha, participaram do evento. Alegres, escutavam milongas e gingavam ao redor das mesas. Nos intervalos musicais, voltava à roda de sorvetes. Estava presente o gostinho de quase todas as frutas brasileiras.
Dante permaneceu na festa até altas horas, com o olho espichado para Dorinha.
Na última volta do barco, ele se colocou ao lado da viúva habilidosa e sorridente. Trêmulo, com o coração saltitando, pensava – “aprendi a fazer mágicas, consegui, ela especial”!
Saíram pelo convés para a proa do barco e, em pé, conversavam à luz da lua, olhando-se no espelho da água. Dante tentava driblar a emoção. Às vezes colocava a mão no cotovelo de Dorinha.
O menino fervendo, vermelho de raiva, chegou, na corrida, pelas costas do moço e deu aquele empurrão!
Caíram.
Dante afundou.
Dorinha apareceu do outro lado do lago.


Izabel Camargo
Enviado por Izabel Camargo em 02/03/2013
Alterado em 08/03/2013


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